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Carol-okê!

Muitos anos voaram desde que escrevi aqui o primeiro texto, inaugurando esse site (que até hoje ainda não cumpriu todo o seu potencial, mas agora acho que estamos um pouco menos longe desse momento. São muitas ideias e desejos para poucos recursos e tempo...).

Tanta coisa aconteceu então! Muita vida, muita música, uma avalanche de descobertas. Várias ideias saíram do papel. Uma delas foi realizar um encontro presencial só entre alunos e alunas, tanto das aulas presenciais quanto do modo online, para quem está aqui por perto! Chamei de Carol-okê, e a pretensão é trabalhar a coragem, enfrentar uma plateia, perceber as dificuldades que surgem, cantar com microfone e acompanhamento ao vivo, ouvir os outros participantes com carinho e deixar para eles mensagens de incentivo. Só isso tudo. E aconteceu! Foi lindo! E a vontade é de mais e mais, de constância. Virá!

Deixo aqui o texto que falei na abertura deste primeiro Carol-okê, que aqui vira uma espécie de manifesto ainda tímido, um ensaio.


Esses dias passou por mim uma pessoa cantando pela rua - essa é uma das cenas que eu mais gosto de ver na vida. E fiquei pensando que essa situação de alguém se sentir à vontade para cantar por aí é fruto de duas coisas: o desejo de cantar e a liberdade de poder cantar. E isso é muito simples até, se a gente for pensar. 

Vocês me procuram movidos por esse desejo de cantar. E a mim cabe apenas a pequena parte de tentar conectar o desejo com a liberdade de cantar. Ensinar ferramentas que permitam com que essa conexão seja uma ponte larga, uma via expressa, para que, havendo o desejo de cantar, e a possibilidade de cantar dentro da situação em que vocês estiverem, vocês apenas cantem, sem hesitação.

E que essa ponte, essa conexão entre o desejo e a liberdade, seja então rápida e não um labirinto. E se as pessoas me ouvirem e não gostarem? E se eu pagar mico? E se elas rirem? E se nunca mais esquecerem que eu errei aquela nota naquele dia? E se eu esquecer a letra? E se eu esquecer um pedaço da música? E se mesmo fazendo aula a 30 anos eu não for o melhor cantor ou a melhor cantora da noite? E se alguém cantar melhor do que eu antes de mim? E mais 7000 "e se"s que deixam a gente biruta com coisas que muitas vezes não fazem nem sentido, não são a realidade, ou que não estão sob o nosso controle, mas que ainda assim estão lá à espreita, nos apavorando.

Cantar é então encarar esses medos de frente, quando eles existem, ao mesmo tempo que tentamos controlar a voz, a respiração, o corpo, em uma canção que tivemos que aprender, entender, ganhar intimidade com a música. É muita coisa, um turbilhão de coisas acontecendo, e ao mesmo tempo também é simples. Também é só desejo e liberdade. 

Eu sei que falar é fácil. E que muito do medo que a gente tem de se expor cantando e não se sair tão bem quanto gostaria pode ter muitas razões, e uma delas ser o fato de que quem nos ouve não faz a menor ideia de como foi a trilha que percorremos para chegar até aqui e só cantar. E é verdade. Não faz mesmo. Ninguém tem como saber. E por esse não saber, talvez a gente imagine que só o que vai contar paro outro é a nossa habilidade, a nossa técnica. Mas essa parte não é verdade. A técnica é um treinamento que ajuda a gente a ter um pouco mais de controle da voz e do corpo para que, através da voz, a gente consiga se expressar da maneira que a gente quiser - pelo menos é assim que eu penso. Mas ela é só um canal, não é a mensagem. E o canal não pode ser mais importante do que a mensagem, porque de fato ele não é. A técnica não é mais importante do que o que vocês querem transmitir, do que esse desejo de cantar. 

Cantar, para mim, não se trata de uma exibição de talento. Cantar, antes de qualquer coisa, é uma exposição do eu. É uma das atividades que mais nos coloca no centro da nossa condição humana, com todas as nossas virtudes, dificuldades, contradições…  Nas palavras de Caetano: “eu minto, mas minha voz não mente. Minha voz soa exatamente de onde no corpo da alma de uma pessoa se produz a palavra eu”. Cantar é deixar sair um pouco do que a gente guarda aqui dentro, então eu acho que é sempre surpreendente e bonito quando alguém canta, porque aquela pessoa permite naquele momento ser vista. E às vezes aquele canto que alguém faz mesmo com tanto medo mas com bravura, pode causar um efeito imensurável em quem escuta. Cantar é mágico. É ser humano fazendo mágica. É encantamento. 

E é isso que eu gostaria que a gente fizesse aqui hoje: Permitir essa combinação de desejo e liberdade pra subir ao palco, e enquanto plateia, testemunhar com encantamento a beleza que traz cada pessoa com sua voz.


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